Tempo

O chôro da moura




APL 1205
Uma formosa mourinha, perseguida pelos soldados, pôde escapar à morte, ficando encantada em um fragueiro à beira do rio. Em ameno dia de primavera andava uma rapariga a pastorear o rebanho na encosta florida do Rabaçal, quando viu em cima do penedo informe uma donzela a pentear as fartas madeixas com pentes de ouro cravejados de rútilos diamantes, ao mesmo tempo que fazia a comida em uma certã colocada sôbre a fogueira crepitante. Tímida a princípio, por julgar ver alguma alminha do outro mundo, cobrou ânimo depois, dirigindo-se-lhe desta maneira: — Quem és? — Eu sou a linda moura de Souane; choro aqui noite e dia a minha desgraça; livras-me do encantamento? — E que queres que eu faça? —Vem daqui a oito dias e dir-te-hei as condições; mas não digas o que viste a ninguém, porque, se o disseres, dobras-me o encanto e serei eternamente desgraçada. E desapareceu.
 A pastora não guardou segrêdo. Decorridos os oito dias voltou com o rebanho para a beira do rio, vendo sôbre a penedia a pobre mourinha de certã ao lume e de formosas madeixas ondulando à brisa quente. Vieram à fala; mas a moura, já senhora da inconfidência, começou a chorar a desdita, precipitando-se no leito do rio. Por largo tempo ecoaram nas margens do rio os queixumes doridos, vendo ainda hoje o povo no marulhar da água no sopé do fragueiro informe o chôro triste da moura a carpir a saudade pungitiva da formosa Souane... E em certas manhãs de estio, ao observar as gotas cristalinas do orvalho nos liquenes da rocha, diz serem as lágrimas que eternamente vertem os olhos da moura em momentos de mais acerba lembrança... E, como prova indestrutível do facto, vê nos sinais gravados na rocha a certã e a colher com que cozinhava...

Local-, VINHAIS, BRAGANÇA